Renato Grandelle
BRAGA, Portugal — Quando Manoel Joaquim Ricardo
morreu, em 1865, tinha 27 escravos, três casas e uma senzala. Era um dos dez
homens mais ricos de Salvador. É um grande feito, ainda mais considerando que
Manoel era negro e vivia em um país ainda escravocrata.
Em 1841, antes mesmo de ser
alforriado, Manoel já era dono de seis escravos. Estendeu sua rede de negócios
até a África. Lá, ele e seus sócios trocaram correspondência sobre seu sucesso
na importação de “noz de cola” — segundo autoridades britânicas, este era um
código para “escravos”. Embora o tráfico negreiro ainda não tivesse sido
abolido, a opinião pública era cada vez mais resistente ao trabalho forçado dos
negros.
— Mais de 600 escravos
eram donos de escravos no Nordeste — revela João José Reis, professor da
Universidade Federal da Bahia. — Esta prosperidade estava ligada ao tráfico
negreiro. Quando havia grandes desembarques nos portos brasileiros, o preço
deles diminuía e permitia a inclusão de pequenos investidores no mercado.
Manoel e outros libertos compravam preferencialmente mulheres, que lhes davam
crias.
Professor de História da
Unifesp, André Roberto de Arruda Machado destaca que a relação entre os negros
era desigual.
— Os escravos não
formavam apenas um corpo. Havia uma hierarquia evidente entre os escravos
nascidos aqui e aqueles que vinham da África. O primeiro grupo se recusava a
fazer algumas tarefas, que deveriam ser deixadas aos estrangeiros — lembra.
Mesmo acumulando
riquezas e escravos, Manoel nunca obteve reconhecimento na sociedade baiana.
— Com a hostilidade e a negação do africano
liberto, perdemos a chance de ter uma elite negra — lamenta Reis. — Os
africanos eram trazidos para cá em fétidos tumbeiros e não poderiam ver o
Brasil como uma terra de oportunidades. Apenas procuravam se dar bem dentro do
possível, e esse possível às vezes surpreende.
Fonte (imagem e texto): O Globo
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