“A
rixa entre a fala espontânea e o uso normativo é tema recorrente na imprensa
especializada em gramática e em educação. Quem trabalha com a língua portuguesa
na escola e na universidade escuta com frequência comentários do tipo ‘o
brasileiro não sabe falar português’, ‘os jovens não sabem falar corretamente’
e ‘a internet está matando a nossa língua’. Esse julgamento autocondenatório é
constante em nosso imaginário sobre o uso que fazemos do idioma nacional. Há,
porém, um ponto nevrálgico sobre linguagem e ensino sobre o qual não se fala
muito e que merece mais atenção. Refiro-me à aquisição da língua materna, aos
estudos sobre como as crianças aprendem a falar sua língua materna.
O tema merece reflexão
e adianto que, diante do quadro simbólico e urbano do Brasil atual, as coisas
não vão lá muito bem. Na minha opinião, a restrição comunicativa que ocorre no
cotidiano de parte significativa das famílias brasileiras pode limitar a
prática comunicativa infantil, dificultando a sua destreza linguística, o seu amadurecimento
e o seu futuro desempenho escolar.
ESTÍMULO Antes de explicar o
porquê dessa afirmação controversa, deixem-me falar um pouco sobre duas formas
de entender como as crianças aprendem a língua materna. São duas visões
opostas. Uma se chama gerativismo, a outra, interacionismo.
O gerativismo é a linha teórica proposta por Noam Chomsky. Ela sustenta que as
crianças nascem com dispositivos mentais prontos a serem ativados. É como se
nascessem com um ‘órgão mental’ responsável pela linguagem pronto para
funcionar. Quando escutam palavras e frases, mesmo se forem poucas e
incompletas, as crianças ativam essa “gramática mental” e começam a gerar
linguagem. Bastam assim alguns estímulos para ter início a produção de frases
até então nunca ditas ou escutadas. Esse argumento é conhecido como ‘argumento
da pobreza de estímulo’. É a premissa inatista que explica porque as crianças,
mesmo muito novas, compreendem e produzem frases complexas. O gerativismo é uma
proposta bem interessante. Tem muitos méritos. Entre eles, o gerativismo propõe
novas perguntas sobre a linguagem e sua relação com a nossa mente.
Mas não convence a todos. Tem suas
imperfeições. O gerativismo não considera a história comunicativa (e
linguística) de cada criança. Não levar isso em conta é uma lacuna que carece
ser preenchida.
Tem uma outra maneira de compreender como as
crianças aprendem a falar que se chama interacionismo. Seus autores falam que o
desenvolvimento do uso linguístico ocorre em etapas. Elas estão relacionadas
com a idade das crianças, com o seu corpo, com o desenvolvimento de seu cérebro
e com as conversas que têm com os adultos, especialmente com seus pais – com a
história de cada um. A ideia é: a gente aprende a falar com as pessoas adultas
com as quais a gente interage.
Michael Tomasello é um dos defensores dessa
proposta. Em seus artigos sobre o tema, ele ecoa o conceito de ‘atenção
compartilhada’ formulado por Jerome Bruner nos anos 1970. Os dois dizem que a
gente amadurece o uso da nossa língua materna durante os diálogos que temos com
nossos pais. A habilidade linguística infantil é muito influenciada pela fala
dos adultos com quem as crianças interagem. Elas têm ‘vontade de fazer igual à
pessoa de referência’, relata Aliyah Morgenstern, especialista em linguagem
infantil.” (continua)
Leia na íntegra em https://www.uai.com.br/app/noticia/e-mais/2018/02/16/noticia-e-mais,221911/leitura-e-interpretacao-do-mundo-aprendizado-e-dominio-da-lingua.shtml
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