PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

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sexta-feira, 23 de março de 2018

Leitura e interpretação do mundo: aprendizado e domínio da língua



“A rixa entre a fala espontânea e o uso normativo é tema recorrente na imprensa especializada em gramática e em educação. Quem trabalha com a língua portuguesa na escola e na universidade escuta com frequência comentários do tipo ‘o brasileiro não sabe falar português’, ‘os jovens não sabem falar corretamente’ e ‘a internet está matando a nossa língua’. Esse julgamento autocondenatório é constante em nosso imaginário sobre o uso que fazemos do idioma nacional. Há, porém, um ponto nevrálgico sobre linguagem e ensino sobre o qual não se fala muito e que merece mais atenção. Refiro-me à aquisição da língua materna, aos estudos sobre como as crianças aprendem a falar sua língua materna.

O tema merece reflexão e adianto que, diante do quadro simbólico e urbano do Brasil atual, as coisas não vão lá muito bem. Na minha opinião, a restrição comunicativa que ocorre no cotidiano de parte significativa das famílias brasileiras pode limitar a prática comunicativa infantil, dificultando a sua destreza linguística, o seu amadurecimento e o seu futuro desempenho escolar.

ESTÍMULO Antes de explicar o porquê dessa afirmação controversa, deixem-me falar um pouco sobre duas formas de entender como as crianças aprendem a língua materna. São duas visões opostas. Uma se chama gerativismo, a outra, interacionismo.  

O gerativismo é a linha teórica proposta por Noam Chomsky. Ela sustenta que as crianças nascem com dispositivos mentais prontos a serem ativados. É como se nascessem com um ‘órgão mental’ responsável pela linguagem pronto para funcionar. Quando escutam palavras e frases, mesmo se forem poucas e incompletas, as crianças ativam essa “gramática mental” e começam a gerar linguagem. Bastam assim alguns estímulos para ter início a produção de frases até então nunca ditas ou escutadas. Esse argumento é conhecido como ‘argumento da pobreza de estímulo’. É a premissa inatista que explica porque as crianças, mesmo muito novas, compreendem e produzem frases complexas. O gerativismo é uma proposta bem interessante. Tem muitos méritos. Entre eles, o gerativismo propõe novas perguntas sobre a linguagem e sua relação com a nossa mente.

Mas não convence a todos. Tem suas imperfeições. O gerativismo não considera a história comunicativa (e linguística) de cada criança. Não levar isso em conta é uma lacuna que carece ser preenchida.

Tem uma outra maneira de compreender como as crianças aprendem a falar que se chama interacionismo. Seus autores falam que o desenvolvimento do uso linguístico ocorre em etapas. Elas estão relacionadas com a idade das crianças, com o seu corpo, com o desenvolvimento de seu cérebro e com as conversas que têm com os adultos, especialmente com seus pais – com a história de cada um. A ideia é: a gente aprende a falar com as pessoas adultas com as quais a gente interage.

Michael Tomasello é um dos defensores dessa proposta. Em seus artigos sobre o tema, ele ecoa o conceito de ‘atenção compartilhada’ formulado por Jerome Bruner nos anos 1970. Os dois dizem que a gente amadurece o uso da nossa língua materna durante os diálogos que temos com nossos pais. A habilidade linguística infantil é muito influenciada pela fala dos adultos com quem as crianças interagem. Elas têm ‘vontade de fazer igual à pessoa de referência’, relata Aliyah Morgenstern, especialista em linguagem infantil.” (continua)


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