O termo escravidão logo traz à tona a imagem do
aprisionamento e da venda de africanos, forçados a trabalhar para seus
proprietários nas lavouras ou nas casas. Essa foi a realidade do Brasil até o
final do século 19, quando, por fim, a prática foi considerada ilegal pela Lei
Áurea, de 13 de maio de 1888.
Mais de um século depois, porém, o Brasil e o
mundo não podem dizer que estão livres do trabalho escravo atualmente. A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que existam pelo menos 12,3
milhões de pessoas submetidas a trabalho forçado em todo o mundo, e no mínimo
1,3 milhão na América Latina.
Estudos já identificaram 122 produtos fabricados
com o uso de trabalho forçado ou infantil em 58 países diferentes. A OIT calculou
em US$ 31,7 bilhões os lucros gerados pelo produto do trabalho escravo a cada
ano, sendo que metade disso fica em países ricos, industrializados.
A mobilização internacional para denunciar e
combater o trabalho escravo começou quatro décadas após a assinatura da Lei
Áurea. Com base nas observações sobre as condições de trabalho em diversos países,
a OIT aprovou, em 1930, a Convenção 29, que pede a eliminação do trabalho
forçado ou obrigatório.
Mais tarde, em 1957, a Convenção 105 foi além, ao
proibir, nos países que assinaram o documento, “o uso de toda forma de trabalho
forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como
castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; como mobilização de
mão de obra; como medida disciplinar no trabalho; como punição por participação
em greves; ou como medida de discriminação”.
O Brasil, que assina as convenções, só reconheceu
em 1995 que brasileiros ainda eram submetidos a trabalho escravo. Mesmo com
seguidas denúncias, foi preciso que o país fosse processado junto à Organização
dos Estados Americanos (OEA) para que se aparelhasse para combater o problema.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT),
entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e
responsável pelas primeiras denúncias de trabalho escravo no país, são
escravizados a cada ano pelo menos 25 mil trabalhadores, muitos deles crianças
ou adolescentes. Apesar dos esforços do governo e de organizações não
governamentais, faltam estimativas mais precisas sobre o trabalho escravo
atualmente, até por se tratar de uma atividade ilegal, criminosa.
Sem informações exatas, o poder público e a
sociedade organizada ainda lutam para prevenir e erradicar essa prática. Pior
que isso, o país enfrenta grandes dificuldades para punir os responsáveis pelo
trabalho escravo atualmente.
Ainda assim, o Brasil avançou. O próprio
reconhecimento e a consequente adoção de uma política pública e de ações do
Estado para reprimir a ocorrência de trabalho escravo são apontados como
exemplos pela OIT.
Foram libertados 40 mil trabalhadores brasileiros
de trabalho degradante desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel
e do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, ambos de 1995.
Em 2003, foi lançado o Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo, e para o seu acompanhamento foi criada a
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com a
participação de instituições da sociedade civil pioneiras nas ações de combate
ao trabalho escravo no país.
Em dezembro do mesmo ano, o Congresso aprovou uma
alteração no Código Penal para melhor caracterizar o crime de “reduzir alguém a
condição análoga à de escravo”, que passou a ser definido como aquele em que há
submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes, e
restrição de locomoção em razão de dívida contraída, a chamada servidão por
dívida.
O crime de trabalho escravo atualmente deve ser
punido com prisão de dois a oito anos. A pena pode chegar a 12 anos se o crime
for cometido contra criança ou por preconceito. A iniciativa acompanhou a
legislação internacional, que considera o trabalho escravo um crime que pode
ser equiparado ao genocídio e julgado pelo Tribunal Penal Internacional.
Porém, passados mais de seis anos, a legislação
praticamente não foi aplicada, deixando no ar a sensação de impunidade,
apontada pela OIT como uma das principais causas do trabalho forçado no mundo.
Tanto que já há propostas no Congresso que aumentam a pena e tentam definir de
maneira mais precisa o crime da escravização contemporânea.
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