(...)
Numa pequena mesa, coberta por um pedaço de chita, com o tinteiro ao lado da caixinha de papel, a menina escrevia, enquanto o dono ou dona da carta ditava em voz alta o que queria mandar dizer à família ou a algum mau devedor de roupa lavada. E ia lançando tudo no papel, apenas com algumas ligeiras modificações, para melhor, no modo de exprimir a ideia. Pronta uma carta, sobrescritava-a, entregava-a ao dono e chamava por outro, ficando a sós com um de cada vez, pois que nenhum deles queria dar o seu recado em presença de mais ninguém senão de Pombinha. De sorte que a pobre rapariga ia acumulando no seu coração de donzela toda a súmula daquelas paixões e daqueles ressentimentos, às vezes mais fétidos do que a evaporação de um lameiro em dias de grande calor.
Numa pequena mesa, coberta por um pedaço de chita, com o tinteiro ao lado da caixinha de papel, a menina escrevia, enquanto o dono ou dona da carta ditava em voz alta o que queria mandar dizer à família ou a algum mau devedor de roupa lavada. E ia lançando tudo no papel, apenas com algumas ligeiras modificações, para melhor, no modo de exprimir a ideia. Pronta uma carta, sobrescritava-a, entregava-a ao dono e chamava por outro, ficando a sós com um de cada vez, pois que nenhum deles queria dar o seu recado em presença de mais ninguém senão de Pombinha. De sorte que a pobre rapariga ia acumulando no seu coração de donzela toda a súmula daquelas paixões e daqueles ressentimentos, às vezes mais fétidos do que a evaporação de um lameiro em dias de grande calor.
— Escreva
lá, Nhã Pombinha! disse junto dela um cavouqueiro, coçando a cabeça; mas faça
letra grande, que é pra mulher entender! Diga-lhe que não mando desta feita o
dinheiro que me pediu, porque agora não o tenho e estou muito acossado de
apertos; mas que lho prometo pro mês. Ela que se vá arranjando por lá, que eu
cá sabe Deus como me coço; e que, se o Luís, o irmão, resolver de vir, que mo
mande dizer com tempo, para ver se lhe dá furo à vida por aqui; que isto de vir
sem inda ter p’ronde, é fraco negócio, porque as coisas por cá não correm lá
para que digamos!
E depois
que a Pombinha escreveu, acrescentou:
—
Que eu tenho sentido muito a sua falta dela; mas também sou o mesmo e não me
meto em porcarias e relaxamento; e que tenciono mandar buscá-la, logo que Deus
me ajude, e a Virgem!
(...)
In: O Cortiço
Em janeiro de 2013 completa-se o centenário da morte de Aluísio
Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo (1857-1913).
Romancista, contista, cronista, diplomata e
jornalista, Aluísio Azevedo publicou sua primeira obra, Uma Lágrima de Mulher,
em 1879. É autor de O Mulato (1881), Casa de Pensão (1884), O Cortiço (1890), dentre
tantas outras, nas quais retrata a situação degradante das casas de
pensão, a exploração dos imigrantes e o drama diário dos trabalhadores de sua
época.
Fontes:
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