Por ocasião da passagem do 1º de Maio, os grandes
jornais desta cidade, bem ou mal, tiveram que tratar da questão social. Alguns,
com aquele jeito furta-cor tão interessante para um zoologista, enquanto na
primeira ou segunda página defendiam uma futura oligarquia atacando outra, na quarta
ou quinta faziam panegíricos dos operários, etc., etc.; outros, com mais
franqueza, ao dia seguinte, atacavam os anarquistas e exclamavam:
Que haja anarquistas na Europa, naqueles velhos
países de civilização brilhante exteriormente, mas internamente carunchosa, já
trabalhada pelos séculos e sofrendo o incurável reumatismo gotoso que
caracteriza a gente de idade avançada que passou a vida em ceias e devassidões,
vá lá, compreende-se.
A situação do operariado europeu é, de fato,
precária, em vários pontos. Na Europa há miséria porque já há falta de trabalho;
e já há falta de trabalho, porque a sua imensa civilização já está feita.
Há aí um bem inveterado engano. A civilização que
nos domina, a forma de organização social sob que vivemos, é a mesma que a da Europa
e tão antiga quanto a dela. Não há nenhuma diferença de tempo, não há nenhuma
diferença de feitio: é a mesma.
O que caracteriza uma civilização são as suas
ideias, os seus preceitos, as suas instituições e os seus sentimentos; e, por
acaso, as ideias, os preceitos, as instituições que governam a Europa são
diversos dos que nos governam?
Absolutamente não.
(...)
Lima Barreto
Nenhum comentário:
Postar um comentário