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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Versos livres na avenida


Tese investiga significados da palavra liberdade em mais de 200 sambas-enredos cariocas, desde a década de 1940



O samba-enredo Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós (Niltinho Tristeza, Preto Joia, Vicentinho e Jurandir), que embalou a Imperatriz Leopoldinense no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, em 1989, é um dos muitos do carnaval carioca que fazem alusão explícita aos anseios da sociedade por liberdade, em diversos sentidos. Mas que sentidos foram esses ao longo do tempo? Em sua pesquisa de doutorado, apresentada em dezembro ao Programa de Pós-graduação em Estudos Literários, da Faculdade de Letras da UFMG, Adalgimar Gomes fez um levantamento que chegou a 232 composições elaboradas para os desfiles do Rio, desde a década de 1940, em que aparece a palavra liberdade.

"Em parte considerável das letras, a presença da palavra se refere ao processo histórico, político e econômico definido pela escravidão negra, que perdurou no país por mais de 350 anos", afirma o pesquisador, orientado pelo professor Marcos Antônio Alexandre.

O pesquisador ressalta, porém, que várias outras "liberdades" foram reivindicadas, inclusive de maneira metafórica. "Durante a ditadura militar iniciada em 1964, falar do passado longínquo era uma forma de denunciar a repressão e a censura, por exemplo."

Antes de proceder à análise das letras produzidas ao longo de 70 anos, Adalgimar Gomes discorre sobre temas-chave como samba, carnaval, sambas-enredos e escolas de samba. Ele dividiu o material coletado em três fases que denominou Era Vargas e democracia populista, Ditadura militar e Democracia.

De 1943 a 1964, – Era Vargas e democracia populista –, os autores das letras de dez sambas se referiram, sobretudo, à Segunda Guerra Mundial, à Independência do Brasil (inconfidentes, Tiradentes, José Bonifácio) e, naturalmente, à escravidão (Princesa Isabel, Palmares, senzalas e navios negreiros).

Durante as duas décadas a partir de 1965 (etapa chamada de Ditadura militar, com 27 sambas), os compositores abordaram temas como carnaval, povo, indígenas, república e Semana de Arte Moderna, além da escravidão. "Nesse período de repressão, a liberdade adquiriu significados difusos em vários sambas. Os autores recontaram histórias como as de Zumbi e Chica da Silva, ressignificando os valores negros, a cultura, a força, a superação", escreveu Adalgimar nas considerações finais de sua tese.

Na fase da Democracia (1986-2013, 195 sambas-enredos), apareceram novas linhas temáticas, como direitos feministas, liberdade de expressão, mitologia e religiosidade. "Independência e escravidão foram as referências que reincidiram nos três ciclos, sendo que a primeira diminuiu bastante com o passar dos anos, e o tema da escravidão manteve forte presença, embora com novos significados", explica Adalgimar Gomes.

O professor Marcos Alexandre, orientador da pesquisa, destaca que a tese percorre sete décadas de trajetória do carnaval e de história brasileira, trabalhando aspectos discursivos dialógicos e ideológicos entre a literatura, a história e a memória. O empreendimento de Adalgimar se configura, segundo Marcos Alexandre, "como trabalho arquivístico e de investigação que discute a alteridade, refletindo aspectos como carnavalização, identidades e questões sociopolíticas".

Adalgimar Gomes, servidor na Pró-reitoria de Graduação da UFMG, comenta que as letras dos sambas do carnaval carioca estabelecem um profícuo diálogo com a história oficial do Brasil. "Elas representam a história contada por outras fontes, com base em testemunhos orais", salienta o pesquisador, acrescentando que mesmo as chamadas grandes sociedades carnavalescas, da elite branca, defenderam causas como a abolição da escravatura e a república. "Na avenida, periferia e centro se misturam, coexistem a dança dos negros e os carros alegóricos, que remetem aos 'carros de crítica' da antiga festa da elite nas ruas. E, mesmo nos momentos mais dolorosos, o carnaval não deixa de ser a festa da liberdade, é sua natureza indestrutível", conclui Adalgimar Gomes.

Fonte: UFMG

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